Enrique Sueiro
Associação mulheres em acção
Unanimidade no fundamental: todos queremos ser felizes. E aqui acabou-se o consenso porque o quadro de minha felicidade oferece formas, intensidades e cores distintas da Maria ou António. Possivelmente nem sequer coincidimos no marco. Além disso, o meu próprio quadro troca com o tempo que transcorre, as pessoas que conheço, os conhecimentos que adquiro, as experiências que vivo…
Ignoro onde está o segredo, mas intuo que uma pista confiável nos leva a equilibrar três linhas de força vital: inteligência, vontade e afectividade. Embora quase sempre se citam por separado, provavelmente as três constituem uma unidade próxima a do binómio corpo-alma ou matéria-espírito.
Perfilar essa harmonia cria esforços de conciliação em duos frequentemente antagónicos, como o currículum-vitae: muito curriculum e pouca vida; e com frequência, nem isso. Esses binómios configuram-se como forças opositoras entre as vidas familiar-trabalho ou pessoal-trabalho. Nestes conflitos, que cada um libera como pode, a comunicação sentimental ou racional-afectiva joga um papel determinante, embora não exclusivo.
Quem não entende um olhar tão pouco compreende uma explicação
É um costume dizer-se que quem não entende um olhar tão pouco será capaz de compreender uma larga explicação. Com base nesta frase cabe entrar em facetas menos convencionais da comunicação humana e na sua transcendência para a vida, em geral, e o trabalho, em particular. Como tudo o que é importante e verdadeiro se acha inter conectado, é difícil marcar os componentes estritamente pessoais, institucionais, psicológicos, trabalhistas, etc.
A metáfora de entender um olhar guarda certa relação com o que afirma Joaquín Sabina numa das suas canções, quando recorda com nostalgia que «uma casa sem ti é um escritório». Tergiversando a letra para optimizar a sua mensagem e adaptá-lo ao mundo do trabalho, poderíamos cantarolar algo assim como que «um escritório contigo é como estar em casa». Cada um terá a sua própria experiência, mas facilmente todos podemos identificar a alguém com quem iríamos ao fim do mundo… inclusive a trabalhar.
Tendo em conta que, habitualmente, a gente não escolhe os seus colegas de trabalho, merece a pena agudizar a sensibilidade para comunicar e perceber com juízo o que pensam e sentem quem nos rodeia. Este trabalho adquire especial relevância nos responsáveis por outras pessoas.
Não, não se trata de substituir a matéria cinza pelo molho rosa na empresa. Tão pouco reduzir as relações de trabalho a gestão de sentimentos. Basta localizando-os no lugar que lhes corresponde para que a racionalidade empresarial inclua o adjectivo «humano» e não só para efeitos de marketing e declarações bem-intencionadas.
As contribuições de conhecimentos melhoram a corporalidade ou anatomia duma empresa. Além disso, os melhores sentimentos de quem pensa acrescentam um plus de vigor institucional.
5 sentidos e 5 sensibilidades
Nem a vida nem o trabalho devem reduzir-se a uma fofoca barata de trivialidades sentimentais. Nem isso nem o extremo oposto de apoiar-se na pura gestão racional. Como insígnia Antoine de Saint-Exupéry (O principe), «só se pode ver correctamente com o coração, o essencial permanece invisível para os olhos». Embora sobre este assunto é muito mais fácil escrever artigos que praticar o seu conteúdo, sugiro algumas combinações de sentido e sensibilidade, se por acaso contribuem alguma utilidade para alguém em algum momento.
1. Falar com o tacto. Faz alguns anos, tentando animar a conversação dum jantar com várias pessoas de distintos países que convivíamos na mesma residência, ocorreu-me insistir com uma enfermeira japonesa em que nos contasse algo. Infelizmente, apostolei que «o silêncio é tão aborrecido», ao que Akiko sentenciou com um leve sussurro: «Para ti». Pois sim, lição aprendida: nem todas as pessoas desfrutam falando ou, ao menos, não no mesmo grau. Com frequência, alguns directores tomam decisões no trabalho sobre os seus colaboradores persuadidos de que os vão surpreender gratamente. Como reza o conselho para os novos chefes, «conheça-nos antes de mandar».
2. Escutar com a vista. Só quando se conhece bem o pessoal, e mesmo assim nem sempre, percebe-se a comunicação de fundo, inclusive sem palavras. É o momento de entender o olhar e calibrar a reacção mais pertinente, segundo o caso e o sujeito. Há quem olhe muito e não veja nada, quem dê uma olhada e capta tudo e quem nem olhe nem perceba. Em geral, esta habilidade requer um mínimo de pausa vital e empatia pró-activa. Tal capacidade é a que permite discernir o estado de ânimo segundo a entonação dum «bom dia», a gripe incipiente pela expressão facial, a preocupação através da saudação e a despedida numa conversa telefónica, etc.
3. Decidir com o olfacto. Salvo em casos patológicos, quase todos queremos desempenhar bem o nosso trabalho. Partindo desta premissa e da necessidade duma motivação apropriada, compensa tomar decisões com o olfacto. Quando não se conhece bem as pessoas que se dirige erra-se também na hora de as motivar. Isso explica que decisões intrinsecamente correctas (aumento de salário, flexibilidade horária, ascensão profissional) possam gerar ou aumentar a insatisfação no trabalho, e vice-versa: conhecer bem à pessoa afectada ajuda a amortizar melhor o esforço dedicado à sua motivação.
4. Observar com ouvido. Com algumas excepções, trabalhar com a porta aberta permite a um director detectar – por via auditiva – situações que, embora muitas vezes, revelam um transbordo de grande interesse. Não se trata de vigiar, mas sim de apalpar uma realidade da que se é responsável. É o caso daquele que, de maneira fortuita, escutou como duas das suas colaboradoras chegavam a cantar ao seu posto de trabalho. Detrás desse detalhe, que para muitos não chega nem à categoria de mini anedota, escondia-se um clima de trabalho de motivação sobressalente.
5. Escolher com gosto. Comunicação vem de comum portanto, não há um eu sem um você, ele, ela, nós e eles. Esta obviedade escasseia em reacções como a de um amigo que, com a melhor intenção, deu de presente à sua mulher um relógio de 2.000 euros pelo seu aniversário. Ela não aceitou com veemência, de maneira que o que procurava a unidade conseguiu uma divergência. Ao reflectir com ele e ela – por separado – sobre o que aconteceu, começamos por compreender que se podia ter optado por um buquê de flores. Muito ilustrativas as respostas: não aceitação masculino instantânea por considerar esse obséquio pouco masculino e muito singelo, além de barato; e aceitação entusiasta feminina pela simples razão de que… gosta das flores.